Livro: "Predador Sexual" - Parte 13

Capítulo XII – Reforma Amária

Os homens venceram a selva, mas a selva interior ainda precisava ser vencida. O sol estava se pondo, e Leo buscava madeira em uma pilha velha, encostada ao lado da casa. Júnior estava parado na beira do lago. Apreciava o pôr do sol com a certeza de que o rio que habitava ali, saberia para onde a correnteza deveria fluir. O próprio sol interno de Júnior aplaudia o reflexo do verdadeiro astro sobre aquela imensidão de águas profundas e represadas. Leo deixou a pilha de lenha perto da entrada e foi em direção de Júnior.
- Apreciando a paisagem? – disse Leo, fazendo Júnior assustar-se com sua presença.
- Nem percebi que você estava vindo. Realmente uma bela paisagem!
- Gosto de deixar as coisas organizadas. É um favor para um amigo. Me deixa vir até aqui, fugir do mundo e por o lugar todo em ordem. Só vem no fim de ano para cá. O que parece um belo desperdício, não acha?
- Sim.
Não se tinha muito para falar em um lugar daqueles. Haveria tanta história não contada embaixo daquelas águas profundas. “O ser humano e seus estragos”, pensou Júnior. “Aquela represa era de acúmulos”, pensou Leo.
- Muito longa a viagem?
- Não Leo. E as paisagens para chegar até aqui também são incríveis, compensam um pouco as coisas!
- Sim – Leo concordou e pensou em como continuar a conversa.
Subiu até a casa, que parecia um pequeno chalé de madeira abandonado, com muitas vidraças e móveis rústicos em uma imensa área frontal cercada de flores. Abriu sua cerveja long neck e levou outra para Júnior, que parecia cada vez mais absorto em seus pensamentos. O horizonte se fazia em brasa, deixando cada vez mais os contornos do relevo enegrecidos.
- Esse lugar parece querer dizer alguma coisa, não parece Leo?
- Várias vezes parei para observar essa paisagem. Ela parece ser tão artificial, parece chorar por longas horas por tanta vida perdida. Esse monte de água que não deveria estar por aqui mas está... Chega a assustar um pouco, não é mesmo?
- Esse lugar sangra. Este lugar realmente parece que chora.
- É. Já me senti este lugar por tantas vezes...
- E quem nunca se sentiu desta maneira, Leo? Quem nunca represou águas e mais águas e perdeu tanta vida, virando uma paisagem artificial?
- Quem nunca, Júnior?
- Valentim eu apenas acho que nunca.
- Sim Valentim... – respondeu Leo, confirmando o que foi dito por Júnior.
- Sim Valentim... – Afirmou novamente Júnior, terminando suas palavras como um pensamento longo sobre determinado assunto.
- Será?
- Não sei. Quem poderá saber? – respondeu Júnior.
- É. Não nos convém saber sobre a vida dele, são águas que seguem. E há tanta coisa neste lugar, você não acha?
- A vida está em constante movimento Leo...
E ficaram parados esperando o sol ir embora, enquanto de todos os cantos ressoavam barulhos e mais barulhos selvagens. Nós não conseguimos superar os barulhos selvagens de nossa existência. Os animais diurnos se recolhiam, era a hora dos animais noturnos caçarem.
Leo e Júnior não dividiam palavras, mas as mesmas angústias e aflições da noite. Os grilos não paravam de disputar espaço com uma quantidade expressiva de teias de aranhas e vagalumes. O rio parecia cada vez mais silencioso, com águas frias e calmas. O céu estava estrelado, com mais pontos brilhantes do que o necessário. E veio a Lua, embarcando no pacote completo da escuridão e do brilho.
- Ainda tem sentimentos não realizados? – pediu Júnior para Leo, quebrando o silêncio.
- Sim. São muito bons! Fiz uma série de quadros que coloquei o nome de “O Amor Que Nunca Recebi”... Algo do gênero... Vão ser expostos agora, perto do fim de ano. Sinta-se convidado a participar da exposição!
- Claro que irei... Se não ir antes para um intercâmbio, que estou pensando em fazer.
- Intercâmbio?
- É. Conhecer alguma outra cultura, aprender outra língua e estudar cinema em outra parte do mundo. Voltar mais feliz com as coisas da vida...
- Você ama muito o que faz, não ama? Isso é muito bonito em você. Se isso lhe fizer bem, por que fugir, não é?
- Eu amo cinema. E não quero mais fugir disso. Não quero mais fugir de nada, se você consegue me entender... Não quero mais me poupar e ter medo de amar de uma forma equivocada, com receios de que as coisas não vinguem, ou me decepcionem...
- E por que não amar? Isso é tão puro, é bom saber que apesar de tanto desprezo neste mundo, tanta indiferença e rancor, ainda existem pessoas que amam. Amam o que fazem, amam outras pessoas, amam a si mesmas e amam todo este caos.
- Você não cansa de amar?
- Não. Por que cansaria? Isso é tão bom!
- Eu que sou muito frio para o romance...
- Você é perfeito! Essas sobrancelhas grossas, da cor escura de seus cabelos. Esse rosto misterioso, seu sorriso de canto... Não vejo frieza alguma... Para mim seria um personagem ideal de um livro!
- E se...
Júnior parou pela metade. Olhou para a lua que brilhava sobre os olhos de Leo, se imergiu dentro das águas profundas da sua incompreensão, e perguntou:
- Este sentimento não realizado é por mim?
- E se for por você? – perguntou Leo, fugindo com o seu olhar para a linha do horizonte.
- Leo. Eu choro demais. Eu como demais. Eu lhe daria muito trabalho.
- Mas, trabalho com afeição e sentimento deixa de ser trabalho. Para a comida e o choro se dá um jeito...
- Isso foi profundo...
- De superficialidade o mundo já está tão cheio. Tento ser um pouco mais fundo e menos raso.
- O mundo anda precisando disso. E eu também.
- Também preciso de alguém para sentir as coisas que não dão pé.
- Adoraria lhe fazer companhia, Leo...
Ambos despiram suas roupas e desnudos e sem pudores se abraçaram embaixo das constelações de estrelas. Ouvia-se o silêncio de seus corpos e a inquietação de suas mentes. E com lindos sorrisos eles se deram as mãos, e entraram nas águas profundas. E mergulharam de cabeça até faltar o ar. Dois homens que no meio do nada fizeram o tudo. Queriam a profundidade das águas frias e calmas, sem as corredeiras dos rios rasos e pedregosos. Pela manhã saiu amor, em todas as torneiras da cidade.

FIM.

UM EXCELENTE 2018! 

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