Meu Sete de Janeiro



Acordei hoje às três horas da manha, após a queda do meu celular e da medicação da madrugada. Não conseguia mais dormir. Resolvi tentar treinar o que diria para o doutor pela manhã. Bom, o que disse pouco ou nada mais me importa, ao menos hoje foi o ultimo dia do suplicio da minha jornada de férias nesse maldito hospital. Daqui a pouco a psicóloga descerá aqui, ela quer-me ver sair da cama e caminhar. Hoje estou disposto. Hoje acordei até com mais fome. A minha vontade voltou novamente e hoje já resolvi o que fazer com a minha vida. Esse ano será o ano mais saudável de toda a minha vida. Bom, a enfermeira que eu odiava até conversei com ela muito. Ela tem retocolite, e eu não sabia, agora posso entender o porquê fazia às vezes aquela cara de carranca que me fazia ou quando ela tinha mau humor pelos meus fricotes e minhas greves de fome. Hoje fiz drama para o meu médico, se não ficaria aqui por mais uma semana. Consegui chorando a resposta que queria ouvir. Comi o dia inteiro, acho que por que estão diminuindo a minha dieta na veia. Felicidade é o que eu mais sinto nesse momento, acabei até mesmo a volumetria da casa que tinha projetado apenas no CAD no segundo bimestre do ano passado. Essa novela da tarde já está me dando nos nervos. Descobri interroganda a mesma enfermeira carrancuda, que alta médica só é feita de manhã. Isso quer dizer que assistirei o capitulo da novela amanhã sentado no sofá da minha casa. Conversei um monte com minha irmã sobre dietas e suplementação e hipercalóricos, e acho que agora eu vou engordar mesmo. É o que eu espero. O calor dessa tarde já está passando e o dia lá fora me parece que vai chover, não caindo a globo do ar novamente é que mais importa. Já vi duas tempestades aqui da janela do hospital e não pude nem ao menos estar lá fora ou ouvindo Lana Del Rey para vivenciar o momento. Bom, é isso que vou fazer agora, colocar alguma musica. Aqui não tem internet. Mas agora descobri que o que eu tanto procurei sempre esteve na minha cara. E decidi ainda de noite que vou voltar a dar catequese. Era muito bom. Quero vivenciar isso novamente. É bom poder instruir as pessoas para um caminho de luz, um caminho mais limpo e mais espiritual. Precisei de 11 dias para descobrir coisas fantásticas vindas da minha cabeça e das paredes brancas que me rodeiam. São quatro horas da tarde. A minha sina por medicação está passando. Eles estão apenas me dando medicação para dor, pelo que eu posso perceber. Mas ainda não tenho total certeza. Logo mais virá mais medicação. Vai chover. Lá vem mais uma vez o mesmo vento que atormentou o mundo ontem. Hoje já caminhei de manhã para um lado e para outro do quarto. E a palavra agonia quem usou dessa vez fui eu, e não o paciente do leito do lado, como na minha primeira cirurgia. É meio traumático poder comer tudo de novo sem sentir dor ou receio de cólicas e diarréia. Acabei de tomar mais medicação. Bom, a enfermeira disse que era para o estomago e para náusea. Acho que agora vou ir dormir um pouco. Vamos ver se passa mais rápido o dia. Quero ver dormir essa noite de tanta aflição para sair daqui. Bom, acho que estou mesmo ficando com mais vontade de dormir. Se não estiver, vou tentar de todo o tipo.
   Se contassem míseros 60 minutos. Isso foi tudo que consegui dormir. Choveu como eu esperava e veio mais uma suplementação para comer. Não sei. Vou ver se é boa. Não quero fazer esforço algum para me alimentar. Alimentar-se é uma coisa gradual. É prazeroso e não pode ser estipulado ou forçado. Ninguém pode entender o drama que apenas um paciente que não pode comer passa. Depois de dois dias de jejum e um dia de dieta líquida, eis que posso novamente comer. Fico meio afobado com a comida e com receio que aquilo vá me fazer vomitar ou que me dê diarréias ou cólicas. Mas não é isso que me acontece. Muito pelo contrário. Apenas devo cuidar melhor do que eu como e aprender a comer novamente. Falando nisso me deu até fome. E acho que estão passando agora com o carrinho de comida. Aqui se janta as 6 e 30 da tarde e se come um lanchinho lá pelas 8. Muito diferente de tudo aquilo que sempre foi minha rotina, ainda mais quando ia para a faculdade, e tinha que comer quase meia noite, eu e minhas macarronadas, descontroladas. Esse ano eu vou ter que mudar. Reeducar-me, aprender a viver de outra forma. Não quero nunca mais passar por isso que passei nesses dias. Uma rotina morta, uma rotina vazia, uma rotina hospitalar e branca, com poucas palavras, com poucos sorrisos e muito poucas justificativas para se levantar de uma cama, onde seu corpo não pode desprender-se, por que você está preso a uma dieta na veia, e ela é ligada por um aparelho que não se desloca de lugar, e se ele não se desloca você não pode se deslocar. Assim também é a vida. Não nos deslocamos por que acostumamos a ganhar alimentação na veia, e tudo fica mais fácil, perdemos a fome e temos nutrientes mais que suficientes para manter todas as funções que um corpo normal precisa para se manter vivo, para se manter enquanto alma corpórea. Mais um remédio eles acabaram de me aplicar. Já estou ficando chateado com tanta medicação. Mas essas são as ultimas e isso me deixa mais feliz. Amanhã essas horas eu estarei na minha casa, desfrutando de uma bela sopa, sentado no sofá da sala, assistindo televisão e muito feliz por poder voltar ao meu lar. Eu irei fazer de tudo para não voltar para esse hospital. Vou comer mais, quero comer muito, sem exageros, para recuperar todo o peso que eu perdi por esses dias.
   Nesses dias aprendi também muita coisa. As pessoas podem até se interessar por seus motivos, ou por suas dores, mas o que realmente importa são os próprios valores que cada um leva para si mesmo, para sua vida. Fechado e exaurido, eu já posso sentir o cheiro da liberdade, mas não posso manifestar nenhum sinal de alegria ou animo, tenho que aguentar firme até o ultimo momento. Vou tentar ir dormir, é isso que me resta por esse dia no hospital.

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