Desabafo Social
Nunca
foi fácil expor uma opinião e ainda mais viver algumas coisas, e eu posso dizer
que isto será mais um desabafo do que um texto, a minha maneira de tentar me
libertar de coisas do meu passado que me feriram muito e me transformaram neste
homem acuado.
Eu
sou acuado por que nunca tive manifestação social grande, um circulo de amigos
que ultrapassasse a marca dos 4, e isso vem de longe, ainda da minha infância.
Não fui uma criança que possuía amigos no colégio, lembro-me vagamente de um ou
dois que falavam comigo constantemente. Mas nunca visitei casa de nenhum e
muito menos conhecia coisas além daquelas que eu via, ou a educação de se dizer
um bom dia, brincar no intervalo ou mostrar um desenho durante a classe.
Privava-me de outras crianças, por que era muito mais mágico aquele universo em
que as coisas simplesmente aconteciam para mim, apenas para mim e para o meu
egoísmo em nascimento, que hoje se transformou em um egoísmo tardio e
incurável.
Por
um longo período não me lembro de ninguém. Lembro-me de coisas minhas, com o
meu rosto e o rosto de mais ninguém. Não posso negar que um rosto me parece
familiar, mas não constante, uma menina parente da vizinha que brincava comigo
quando vinha visitar a família.
Mas
este período silencioso de pessoas me foi muito benéfico! São as minhas
melhores lembranças da infância. Inventava coisas, histórias, construía as
melhores fantasias e era o meu próprio mundo sem regras, um mundo anárquico de
uma criança de sete anos.
Quem
sabe pelo fato de eu ser uma criança adoentada, eu me apeguei demais na solidão
que um hospital pode proporcionar para o desenvolvimento psicológico de
qualquer criança normal, e acabei gostando desta coisa toda das brincadeiras
silenciosas. Neste período, eu posso garantir que me veio a materialização e o
aprendizado do que é o amor materno. Não o pinto com cores mais quentes, por
que este período é colorido das cores mais adequadas e perfeitas. Toda a frieza
e neutralidade das cores azuis e brancas ressaltavam os meus cabelos bem loiros
e meus olhos verdes.
O
meu primeiro grande amigo, eu nem me lembro de como ao certo o conheci, mas
morava na minha rua e era filho de um amigo de meu pai. E peço desculpas por
meus atos por que você sempre foi muito guerreiro viu! Pegou a minha pior fase,
se é que não virão piores, espero que não! Mas, foram anos de brigas que
terminavam em socos, palavrões e dias sem se falar. Depois voltávamos a
conversar pedíamos desculpa e era tudo como antes, como se não houvesse
acontecido absolutamente nada. Acredito que foi uma grande amizade verdadeira,
sem interesses, daquelas que perdoa os pormenores.
Lembro-me
muito bem de como os dias não tinham fins com a imensidão de brincadeiras, e
das inúmeras vezes que andávamos de bicicleta até tarde da noite. Subíamos no
pé de Ponkan e às vezes ficávamos horas a fio falando coisas que eram bem
interessantes e divertidas. Lembro-me muito de árvores frutíferas e brigas e
mais brigas. Mas tudo sempre acabava bem. Bom, assim eu pensava. Lembro-me do
dia que você foi embora, por que sua família mudou de estado, foi difícil.
Senti-me depois de anos sozinho novamente. Perdi um amigo e uma família. A
minha segunda família, que não poupava esforços em mostrar o lado bom do ser
humano, um lado que não se encontra com muita facilidade nos dias de hoje.
Neste
meio termo em que tinha um bom amigo também existiam alguns ramos que não davam
frutos na minha vida. Virei amigo de uma menina que não era exatamente a pessoa
mais adequada para se amar nesta vida, que não é assunto para este texto.
Alguns outros se destacam, mas inconstantes e nada periódicos, não duraram mais
do que alguns meses. E posso dizer com convicção que não mudaram nada em minha
vida.
Dez
anos atrás comecei a trilhar um mundo social totalmente novo. Conheci dois
amigos que transformaram um garoto perdido e deslocado em alguém melhor e mais
feliz. Uma amiga e um amigo que fizeram toda a diferença dentro de uma turma de
alunos reprovados e chatos, que aborreciam a minha manhã com suas presenças sem
graça e desnecessárias.
Fatos
é o que não me faltam para constatar que isso é verídico. Como não se lembrar
dos fortes feitos com carteiras da sala de aula, das brigas que terminavam em
textos rasgados, cadernos amassados? Como não se lembrar dos jogos de banco
imobiliário onde diziam que eu roubava (isso nunca aconteceu, eu juro)? Ou
ainda das casas que construíamos com objetos de decoração? Acho que foi aí que
eu decidi que queria ser arquiteto!
Coisas são o que não faltam para comprovar que foram bons todos aqueles dias. Até que
minha amiga foi embora para outra cidade. E ficamos apenas eu e o meu outro
amigo, em busca de um novo grupo de amizades, que aceitassem novamente duas
pessoas deslocadas e julgadas de forma equivocada.
Entre
um vai e vem onde sobreviveram os mais fortes, ficamos eu, ele e mais duas
amigas. O grupo batizado a muito como Obscuridade. Acho que realmente encontrei
as pessoas mais certas e verdadeiras que poderia conhecer. Pessoas que valem a
pena, apesar de alguns pesares. E digo isto convicto de que evoluímos juntos,
nas piores situações e nos piores momentos de nossas vidas.
E
digo verdadeiras por expressarem opiniões quando devem ser expressas, porque
não existe na minha percepção uma pessoa totalmente sincera, até por que isso
já vira falta de educação. E sim, o grupo demorou a adquirir este entrosamento
que tem hoje, mas acho que tudo que aconteceu apenas fortaleceu ainda mais um
grupo que virou um quarteto, quando muito um trio, nos períodos de brigas, que
considero hoje em dia saudáveis.
E
não poderia deixar de finalizar este texto descrevendo duas coisas que para mim
são importantes: a primeira tem a haver com as pessoas do meu convívio destes
dois últimos anos, e a segunda do meu amigo de dez anos, um dos poucos que
vivenciou a metamorfose que eu passei e que já considero da minha família há
muito tempo.
Sobre
a primeira coisa: estes dois últimos anos me provaram coisas que eu achava que
não seriam possíveis. Eu tive muitas decepções com pessoas próximas, e que eu
considerava muito. Pude presenciar a aproximação de alguém pelo simples fato de
sua inferiorizarão e vontade de sempre ser mais que os outros, pois não é
realizado com a vida que tem e vive os sucessos e as coisas boas da vida dos
outros. A aproximação de gente que queria mais alguém para dar volume e não
para agregar algum valor. Um alguém para dar força e likes em postagens, para
fazer campanhas e um papel de trouxa. Um alguém para culpar pelos desastres de
amizades movidas por interesses e situações patéticas. Um alguém que poderia oferecer
algo em troca, como uma moeda de mercado ou uma boa oportunidade para o futuro.
Precisavam de uma casa para beber, de um palhaço para sorrir, e alguém para
falar mal das pessoas de seu convívio. Convenhamos que se eu tiver errado, ao
mínimo do mínimo não pediriam para dar um tempo, e entrar novamente em clichês
de aceitação dos quais não preciso ouvir na minha vida, não mais. E sabe do que
mais, para isso tudo eu digo um foda-se! Se falta eu fizesse atrás viriam, vocês
não acham? E olhe estou mais aliviado agora. Foram dois anos sofrendo por uma
coisa tão desnecessária! E digo uma coisa: arrogância não leva a lugar nenhum,
mas desejo tudo de bom para muitos desta época.
Para
finalizar, sobre a segunda coisa: meu amigo de dez anos. O que para mim ainda é
complicado de entender é como amigos de tanto tempo ainda se dão tão bem, mesmo
querendo coisas relativamente diferentes, agindo de formas diferenciadas e
vivendo de formas diferentes. Uma coisa que nunca lhe disse, é que você
realmente é forte, por tudo o que lhe aconteceu, e pela forma como o mundo
sempre lhe tratou. E saiba que o vejo como um irmão que eu nunca tive. Você me
ajudou muito a aceitar a minha maneira de ser, a me amar da maneira que eu sou.
E ainda hoje admiro muito a sua forma de conseguir se socializar tão
facilmente, um dom que não me foi dado. Sempre que precisar de mim, estarei
disposto a lhe ajudar, e conte comigo para levar o fardo quando ele pesar. Você
não está sozinho no mundo. Digo o mesmo para a Obscuridade. Vocês são a extensão
da minha família, pessoas das quais eu não preciso lidar para manter alguma
conveniência ou um social, mas posso ser aquilo que eu sou, sem pudores ou
temores, apenas eu mesmo.
E
no fim digo uma coisa: uma vez acreditava realmente que o mundo era apenas eu e
mais eu. Eu e tudo aquilo que eu poderia imaginar e criar. Hoje penso um pouco
diferente, pois acredito realmente que existem sim pessoas, capazes de fazer o
pior problema virar uma piada, um divertimento ou uma fase passageira.
Queria
que algumas pessoas voltassem, que outras simplesmente fossem embora e nunca
mais aparecessem. Mas, espero uma coisa muito maior: que não me faltem dias
para acreditar nas pessoas. Para acreditar que ainda existem pessoas confiáveis
e boas no mundo. Que eu não seja um empecilho mais que eu seja a ajuda
necessária. E que eu possa ter a saúde e a condição necessária para ajudar
aqueles que tanto me ajudam. Ajudam-me a crescer, a me transformar e a escrever
coisas libertadoras como esta. Obrigado aos meus amigos por fazer parte do que
eu sou. Quanto aos conhecidos: ainda serei o mesmo amargo, o mesmo rancoroso e
invejoso, ou qualquer coisa mais pelo qual chamam o meu nome. E que isso tudo
ainda não seja um fim da vida, apenas o fim deste desabafo.
By: Vinicius
Osterer
Feito em 26 de
setembro de 2015.
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