Ressaca do Carnaval Que Foi Você
Entrei no
bloco num dia de samba que não é bem um dia, mas um longo feriado. Qualquer um
que não fosse cego como eu fui, entenderia sem precisar se jogar de cabeça, que
aquilo estava de todo errado. O bloco trouxe consigo a opressão psicológica,
vestindo a fantasia de um discurso vazio de humanidade, já todo pronto e
repetido de um para outro sem mudar nenhuma vírgula e palavra. E me pergunto:
se lhe vi quando não queria ser visto, você foi capaz de ver o que eu era atrás
de um enigma de palavras pensadas, imagens modificadas, conversas paralelas
sobre conexões e universos?
O mundo
das coincidências não programadas é resultado de um treino mental de observação
severa (meu método analítico de ir fundo numa história), que para alguém que “sabe
sobre tudo” não deveria ter representado nenhum obstáculo.
Posso ter
sido aquele que ficou quando o bloco de carnaval passou, mas aprendi muito
sobre como não amar as pessoas com você. Abri livros, subi em palcos, tirei a
minha própria fantasia de afirmação, e me fiz menos do que um ser humano. Trazer
a fantasia da humanidade também é vestir uma roupa. E estava nu e sem espaço,
nem tempo, nem memória. O bloco partiu, quem foi foi, quem viu viu...
Durante o
dia de samba, o bloco curtirá todas as suas coisas, e começará a postar sobre o
que mais lhe interessa. Mandará vídeos, músicas, dizendo que lembrou de você ou
do que disse, talvez a frase “quando não se tem o que falar, a melhor coisa é
uma música”. Se mandar indicação de filmes, não assista nenhum! Às vezes manda
filmes e coisas que nunca assistiu e nem viu. O objetivo não é você. Estará
sempre querendo saber o que aprenderá contigo. Fuja das suas palavras
sentimentais como o diabo foge da cruz de uma ressurreição de domingo. É só uma
questão de tempo até sumir da sua vida alegando falta de capacidade mental
para lidar com os fatos, deixando-o com a ressaca de um carnaval cheio das
fantasias que ele usou com você. Pegue a mandala com tempo e vá embora...
Quando sentei
no chão me sentindo a quarta-feira de cinzas, entendi o drama de um despejado. A
moldura de mim mesmo foi fixada na parede sobre a cama, e eu desci e fui até o
resto de mim, decretando o início dos quarenta dias de vigília e oração.
Na Páscoa
de você com você vem a celebração da vida. A vida que foi deixada para trás em
uma brincadeira e competição idiota, de duas metades imaturamente inseguras e
confusas, querendo existir por completo. Páginas de livros escritos, poesia em
pencas, cartas e um punhado de histórias celebradas quando o “Oásis” estava
verde no meio do deserto. Coração endureceu, água secou, tudo morreu, ninguém
estava errado ou certo. Ainda sei o que não sou, e não quero controlar o
incontrolável, só tirar a purpurina e o glitter daquela coisa que não é o meu
agora. E agora, ainda sou o meu próprio carnaval de rua, com coração robusto
como um pão de padaria amanhecido, depois jogado na chapa para descer sem tamanha
rigidez. Ainda não tenho um bloco de concreto no meio do peito.
O bloco
passou e eu acabei ficando. Confesso que agora entendo que o meu lugar era o ficar.
Ficar acordado esperando o homem que eu era, se balançar sobre uma cruz
acovardado, redimindo pela metafísica do pecado, o engano que cometi quando
deixei o bloco entrar e passar.
Celebro a
ressurreição do escritor/poeta vigilante e severamente remendado. Um homem
perfeitamente desajuízado, que aprendeu – e como aprendeu – a ser feliz com o
mínimo. Não se tratava de uma metáfora bonita sobre cortar ou não cortar uma
árvore. Mas a barreira de palavras foi maior do que o silêncio didático de
alguém que nunca sabe o que quer.
Bem vindo
jovem escritor, coloque no papel mais um punhado de mentiras. É melhor conviver
com uma ótima consciência ou com uma má reputação? O bloco passou e eu acabei
de ressaca. E foi passando. Mais uma dose, please! Desta vez celebrando outro
feriado que não use fantasias e nem máscaras.
Dia 05 de Março de 2019, Vinicius
Osterer
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