GEMINI FEED
Não ouvia-se nada dentro da igreja, enquanto a
noiva empalidecia por debaixo de seu véu. Ele olhava para ela e não dizia nada.
A pergunta já tinha sido feita há alguns minutos. O padre, para evitar
constrangimento, refez a pergunta:
- Você aceita ou não aceita?
- Temos que parar por aqui! – disse largando a
mão de sua futura esposa.
Ela então retirou o véu, começando o seu
discurso masoquista de humilhação:
- Não fiquei presa na barreira dos seus olhos
escuros. Já estava presa há algum tempo dentro de um universo não beijado, que
não era poesia e nem mesmo qualquer uma das tantas porcarias que já senti por
alguém neste mundo. Tenho vontade de gritar milhares de vezes que te amo,
porque não é estar presa na barreira dos seus olhos, mas transpassar e me
sentir livre, no suspense todo onde não habitam mais as palavras. Neste maldito
silêncio... Não vou falar com metáforas sobre o peso do silêncio, de quando
volto comigo mesma para casa, cheia de sua ausência. Talvez seja uma maneira de
entender com mais clareza a história, onde depois eu disse: “Não
corte a árvore. O erro não é dela. O erro é do mundo que exige que ela dê
frutos em todas as estações...” E esse tem sido um problema. Querer todas
as folhas, frutos, flores e ramificações da sua presença todo segundo, quando
seu queixo está sobre meu pescoço com seu rosto rosado, perdendo a noção do que
é o tempo lá de fora. Sim é sobre ti. Sobre ti quando o peito dispara, e eu
fico calada como uma imbecil que sou. Quando a ausência das palavras chega e
fico olhando pela lateral, seu sorriso expressivo como uma placa luminosa cheia
de sol. Sobre ti e o seu lindo jeito de calar a minha boca, com palavras
imprevisíveis que me deixam extasiada... Querer se molhar com a doçura de seus
gestos e pegar uma gripe, não é castigo. Querer sentir tudo que nunca havia e
nem pensei ter sentido, quando vejo sua presença tão sólida para meu material
inflamável, passou a ser o meu abrigo. Seria cedo para dizer qualquer coisa? Te
colocar acima não é loucura, é um resultado. Não um resultado qualquer, de uma
operação matemática. Contigo eu paro no tempo. Contigo nada mais me importa.
Estou errada? É toda a sua maneira de encarar a vida, que não é pouca. A vida
toda que tem a sua altura exata, nem mais e nem menos. O jeito todo de quando
sinto que posso fazer acrobacias na minha cabeça, quando falo “como você está se sentindo?” e você
responde “Eu não sei”. Não saber é um
paraíso. Eu repouso em ti quando adormeço descalça. Poder morder os seus lábios
que me calam, quando perco a razão em demasia, quando sei que não caibo dentro
de nada. Você bem mais universo, talvez infinito e tantos. Eu apenas um verso
simbólico e rascunhado. É permitido não tirar a imagem dos seus olhos da minha
cabeça? Pois eu não desejo. Você é um acerto. Uma questão descritiva sobre quem
quero ao meu lado. Feita sem uma didática estabelecida, sem o rigor pragmático
de uma metodologia clássica. Sim é sobre ti. Sobre a falta das minhas palavras.
Das minhas justificativas tardias, confundidas com um pensamento doentio. Do
que adianta ter em mim todas as cores e as flores, se este sentimento repousa
quieto e calmo? Não corte a árvore, ela me faz chegar perto do céu. Seria cedo
para dizer qualquer coisa? Não corte a árvore. Se não for para dar frutos, dê
flores e um significado. Estou criando um dicionário inteiro para ti. Nele
consta apenas o seu nome, e dentro dele tudo o que eu já aprendi e senti
contigo.
- Sendo assim, não irei achar ninguém melhor
no mundo...
Ela saiu correndo em disparada, para o espanto
dos convidados, e acabou morrendo ao atravessar a rua. Então ele disse:
- Sim, isto sim eu aceito.
Os convidados jogaram chuva de arroz sobre o
corpo e foram para a festa de casamento. O noivo serviu a comida e disse que
não iria devolver os presentes.
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